Divina de fátima dos Santos

Doutora em Psicologia Clínica

Cartas Intergeracionais: seus efeitos e significados

O Brasil tem atualmente 11,8% da população de idosos, e é previsto que em 2025 seja a 6ª maior população de idosos do mundo. Por este motivo, diversos recursos de trabalho para esta população vêm sendo desenvolvidos, uma dessas são as práticas Intergeracionais (BODSTEIN; LIMA; BARROS, 2014).

Para Goldfarb e Lopes (2006 apud Santos, Cerveny e Silveira, 2012), a aproximação de diferentes gerações, inclusive entre crianças e idosos, pode promover e facilitar crescimentos para ambos, enfraquecendo os preconceitos e estimulando o desejo de viver plenamente a vida cultural e social.

Escrever cartas na escola é uma prática comum para as crianças no Ensino Fundamental, apesar de parecer coisa ultrapassada na atualidade devido a tecnologia, o uso quase exclusivo de computadores e celulares com internet. Portanto, pode-se questionar a função da escrita de cartas neste contexto. De acordo com Santos, Cerveny e Silveira (2012, p. 112) “escrever cartas constitui-se uma das inúmeras maneiras possíveis de entrar em contato com outras pessoas com as quais podemos iniciar ou manter um relacionamento”.

Em um centro de referência para a terceira idade de Caraguatatuba foi realizado o projeto “Encontro de Gerações”, baseado em trocas mensais de correspondências entre idosos que frequentam o centro e crianças na faixa de 10 anos que são estudantes do ensino fundamental da rede municipal de ensino (SANTOS; CERVENY; SILVEIRA, 2012).

A troca de cartas promoveu a autoria, além de ativar a imaginação das crianças e dos idosos. A prática também se torna um recurso de estimulação da memória, na medida em que os idosos escrevem sobre suas experiências passadas. “Escrever dá “vida” e significado a um pequeno pedaço de papel tecnicamente sem valor, além de tornar presente os ausentes” (SANTOS; CERVENY; SILVEIRA, 2012, p. 113).

De acordo com Pennebaker e Beall (1986 apud Santos, Cerveny e Silveira, 2012) a escrita funciona como um recurso de ressignificação de si e dos outros pela influência no comportamento das pessoas, uma vez que passam a acreditar mais em si mesmas. As palavras escritas são relatos que podem revelar sentimentos e significados. Não são recursos inventados pela psicologia, mas disparam aspectos cognitivos, afetivos e emocionais, mobilizam relações potentes, pois são abertas e abrem os processos de significação.

A partir disto, sugere-se que a troca de Cartas Intergeracionais se qualifica como uma tecnologia psicossocial, pois é um processo que estabelece relações “intercessoras”, ou seja, produz algo entre os sujeitos, é um processo que existe para os idosos e para as crianças e não teria existência sem o momento da relação em processo. Portanto, este processo caracteriza-se como uma tecnologia psicossocial pela potência de agenciar o encontro, de possibilitar trocas, relações de acolhimento e estabelecimento de vínculo (MERHY; FRANCO, 2003).

Dito de outra forma, a utilização de um processo sistematizado, que consiste na troca de correspondências entre idosos de uma instituição e criança de uma escola, é um “processo de construção social, política, cultural, subjetiva”, que configura “um novo sentido para as práticas assistenciais, tendo como consequência o impacto nos resultados a serem obtidos” (MERHY; FRANCO, 2003, p. 09).

Esta tecnologia psicossocial poderia ser aplicada, por exemplo, nos atuais Centro de Convivência do Idoso (CCI). Neste serviço, são organizados grupos de convivência, com uma média de 20 participantes, e encontros de duas horas semanais. As atividades são planejadas com o objetivo de contribuir para o processo de envelhecimento saudável, autonomia, sociabilidade e fortalecimento de vínculos.

Atividades Intergeracionais são conhecidas pelos trabalhadores deste serviço, contudo a novidade está nas cartas como dispositivo, e no “manejo” do vínculo entre as crianças e os idosos que é viabilizado. Este processo pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia, na medida em que o idoso escreve sozinho as suas cartas, escolhe o conteúdo da comunicação, e lê as que são endereçadas a ele. Além disso, muitas memórias podem ser evocadas e, novos sentidos produzidos.




REFERÊNCIAS
BODSTEIN, Airton; LIMA, Valéria Vanda Azevedo de;  BARROS, Angela Maria Abreu de. A vulnerabilidade do idoso em situações de desastres: necessidade de uma política de resiliência eficaz. Ambiente & Sociedade, v.17, n.2, pp.157-174, 2014.

MERHY, Emerson Elias; FRANCO, Túlio Batista. Por uma composição técnica do trabalho centrada nas tecnologias leves e no campo relacional. Saúde em debate, v. 27, n.65, Rio de Janeiro, 2003.

SANTOS, Divina de Fátima dos; CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira; SILVEIRA, Nadia Dumara Ruiz. Vivendo, escrevendo e reescrevendo a vida: Encontros Intergeracionais. Revista Portal da Divulgação, n. 28, ano III, p. 111-117, 2012. Disponível em: . Acesso em 25 mai. 2016.



Fonte: Plataforma Psicossociais

Psicóloga Divina

Doutora em Psicologia Clínica

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